You are currently browsing the category archive for the ‘no coração’ category.

Clube Futebol Benfica – 30.abr.2014 – 22:24
gerir um grupo de mulheres é uma coisa muito difícil e trabalhosa. há alturas em que me questiono se não deveria parar. ir para casa. mas eu nunca fui de “ir para casa”. metade da minha vida foi passada com noites em campos de futebol. se todos formos para casa, há uma série de actividades que desapareceriam. não faço isto para ser melhor do que ninguém. faço-o porque me faz sentido retribuir à sociedade um pouco daquilo que eu também já recebi, quando era jogadora. acredito mesmo nesta coisa da reciprocidade. acho que o mundo é um mundo melhor quando se dá.
ligo-lhe para lhe dar um beijo e saber como está. bem disposto, claro, mas a queixar-se que os ténis lhe estão a magoar os pés.
pergunta-me, a pedido da minha mãe, com quem jogamos no domingo. Albergaria, respondo. e ele, pela curiosidade dela: em casa? confirmo que sim. sabes a história de Albergaria-a-Velha? não vais contar uma história que a criança está a trabalhar! repreende-o rapidamente a minha mãe. ele, habituado a ela há 53 anos, faz uma pequena pausa a ver se eu digo alguma coisa e, de seguida, continua: antigamente havia muitas albergarias. naquela, houve uma velha que certa noite pediu abrigo e foi-lhe recusado. no dia seguinte encontraram a velha morta.
e com isto, deixando-me curiosa com os contornos reais da história, disse: obrigada, filha, por teres ligado. até logo. e o meu coração enche-se de felicidade imensa. gosto dele como não há explicação!
[a gente albergaria a velha se soubéssemos que não eram ladrões a baterem à porta]
liga-me a minha mãe, sempre com aquela voz toda despachada, e diz-me “hoje estamos de parabéns!”.
olho para o telefone, vejo a data para nunca mais me esquecer, e respondo “é hoje? estão mesmo de parabéns!” e ela a sorrir “já viste? 53 anos a aturarmo-nos?” e ri-se muito.
[depois, mudamos a agulha para as trivialidades. eu desaprendi a mostrar as emoções. ela sempre foi mais ou menos assim.]
um dia, quando for mais velha, gostaria de ter um amor assim. companheiro e acompanhado.
(talvez se o desejar para muito tarde, tenha esse beneplácito dos deuses. encaro esta fase como uma espécie de aprendizagem. já tive tudo, já experimentei tudo, muitas vezes de forma inconsciente, não valorizando devidamente o que estava em causa. talvez agora tenha de passar por esta fase de vazio, de solidão. para perceber ao certo o que é ou não importante, quando desejamos que alguém faça parte da nossa vida. o difícil nisto é que nunca se sabe como termina. mas eu sou optimista e aceito o que me acontece. portanto, talvez agora seja mesmo altura para experimentar o que nunca tinha experimentado: a solidão.)
faz hoje 53 anos que os meus pais se juntaram. em pleno início da guerra colonial, numa Luanda distante, longe de ambas as famílias. acredito que deve ter sido assim uma espécie de coup de foudre. o sorriso do Zeca deve ter esmagado o pragmatismo da São. têm uma história de amor muito bonita, cheia de peripécias e contratempos – que eles ignoraram de forma corajosa e assumiram o seu caminho.
tenho um bocadinho de cada um dentro de mim. e do Zeca o sorriso e as rugas nos olhos.

Clube Futebol Benfica
Equipa feminina de futebol 11
19jan14 às 14:57
não é o futebol. riem-se quando eu digo que não gosto assim tanto de futebol. é verdade, não gosto. gosto do futebol da minha equipa. o que equivale a dizer que gosto de futebol por causa das pessoas. e sim, o que me faz ali andar é a minha capacidade de organizar e são as pessoas.
aquelas pessoas a quem reconheço os olhares, os trejeitos, o correr, as chuteiras. as vozes, a dinâmica, o humor. e que às vezes me fazem exasperar, porque eu sou muito exigente e impaciente. mas o que não sabem, e não sabem porque eu não consigo exprimi-lo certamente, é o quanto eu gosto delas (e deles). o quão maravilhada fico a vê-las crescer como grupo e como equipa. os laços a estreitarem-se, a euforia da comemoração colectiva.
não há forma de explicar isto. sente-se. vem de dentro, do departamento dos afectos. e vê-se. no brilho do meu olhar quando falo delas. só tenho pena de nunca me terem dedicado um golo, mas pronto, qualquer dia há-de ser. ainda temos poucos marcados! (59 em 16 jogos, senhores, que são tão brutinhas!)

a todas as pessoas, que fazem o favor de me acompanhar e ler os meus desabafos, desejo que tenham a oportunidade de estar hoje com quem amam.
como fizeste isso, papá? a rebarbadeira escapou-me e cortou-me o dedo quase até ao osso. como tinha as mãos sujas, fui lavá-las bem com sabão azul e branco e tirei os bocaditos de carne queimada. e levaste pontos? não. o disco da rebarbadeira comeu mesmo a carne, não dava para juntar. e doeu? não, não me doeu nadinha.
[ok, ele quando dá marteladas nas unhas e elas ficam negras, pega num bocado de arame, afia-o no esmeril, desinfecta-o no maçarico e depois fura a unha para o sangue sair, aliviar a pressão e passar a dor.]
o meu pai, que trabalha todos os dias que lhe apetece, sejam sábados, domingos, feriados, não ligando nenhuma a essas convenções, hoje disse que não ia trabalhar porque continuava a comemorar o dia da implantação da República.
e a São: “apoiado!”.
(a idade é um posto e um exemplo!)
fotografar, às vezes, também!
completamente apaixonada por este grupo e respectivo projecto.
não sei se todas as mulheres, que são mães, terão consciência da imensidão do seu poder.
(eu nunca quis ser mãe porque não conseguia assumir um compromisso para a vida inteira e mais seis meses, mas ponho-me a pensar que também nunca me agradou o facto de estar sempre inquieta a questionar-me sobre o erro. enfim, também não interessa nada porque já não será para esta vida.)
(saudades da banda!)
hoje depois do almoço andei a viajar pelos anos quarenta, através das palavras dos meus pais. a propósito da fome, que a minha mãe diz que nunca passou, embora às vezes se comesse mais qualquer coisita – havia sempre um caldo de feijões, quanto mais não fosse, cozinhados na panela de barro que estava à lareira, mas era sempre a mesma coisa, e quando era sardinha, dividia-se por três. o que calhasse com a cabeça comia menos, mas estava mais tempo entretido, disse-me.
o meu pai falou de ir para a escola descalço ou com os chinelos da minha avó. e eu perguntei-lhe o que é que seria pior, se ir à escola ou calçar os chinelos da mãe. claro que ele respondeu que era ir à escola. a minha avó costumava ir atrás dele para se certificar que não ficava na mata a brincar. dizia ele que poucos eram os que tinham sapatos. naquela fotografia da escola, eu estou no meio e não se vê, mas quase de certeza que estou descalço. eu fui buscar a cópia que tenho dessa fotografia e, de facto, o meu pai não se vê, mas há uns dez meninos na primeira fila e só três é que estão calçados.
(quase tudo do que sou devo a eles. grande parte do que tenho, foi-me dado por eles. mas o maior legado é aquela capacidade para encararem a vida com coragem para lutarem pelo que gostam e serenidade para aceitarem o que a vida lhes dá, ainda que seja menos bom.)
estou cheia de vontade que eles venham. de repente, deu-me uma saudade imensa dos meus pais. tê-los fora do seu ambiente, que é quando estão mais descontraídos e se deixam levar para todo o lado. não consigo, verdadeiramente, sentir essa coisa do natal. eu acho sempre que tenho de sentir tudo de forma exacerbada, como se fosse algo de extraordinário. e, por isso, como não me disponibilizo a ir de encontro às coisas, fico sempre naquele meio caminho, entre o não sentir e o sentir. que não é carne, nem é peixe, é assim a modos que uma coisa construída em laboratório, sem sabor que se retenha.
mas, o facto de me reunir com os meus pais, traz uma sensação boa. se é de natal, se de carnaval, não interessa nada. e tenho um propósito, que desejo muito conseguir pô-lo em prática. quero estar o mais tranquila possível e não me irritar por ter o meu tempo e o meu espaço invadidos. e desfrutar da sua companhia.
[e agradecer a Deus, sim aqui já começo a crer, por eles estarem tão bem. por serem autónomos, terem projectos e serem profundamente descontraídos, descomplicados e muitíssimo bem dispostos – yah, é só virtudes! os traumas eu resolvo com a minha Rute.]
81 anos. e tu assim, dinâmica. lúcida. determinada.
[muitos parabéns, mamã!]
a minha mãe chega e nada mais decorre ao ritmo normal!
valha-me Deus!
ontem quando cheguei a casa, já hoje, a lua estava ao fundo da minha rua.
imponente, atirava-me com a sua luz por detrás de um floco de nuvens que a queriam esconder.
caía já para o seu descanso, por isso se apresentava tão próxima.
quase tirei as mão do volante, na tentativa de lhe tocar.
finalmente, ao fim de uma jornada de luta e bastante sofrimento, encontro-me em paz.
feliz. preenchida. com tudo dentro de mim nos sítios certos.
e a segurança do risco.
novamente.
§ olho o teu rosto suave e comove-me o teu sorriso quando se revela frágil. no fundo do teu olhar encontro ribeiros onde nadam peixinhos inocentes. vou pegar-te na mão e atravessar esta vida contigo, porque assim o decidi e me faz sentido. agora que atravesso estes dias quentes da minha meia idade, ter medo é uma coisa que já não combina comigo. uma coisa, somente uma coisa, me motiva: ser feliz. e que o meu sorriso seja aberto, tão aberto como o meu olhar quando procuro a beleza do quotidiano.
ultimamente, parece que antecipo o momento em que a minha mão mãe me vai ligar.
penso nela, há quanto tempo não falamos e de seguida ela liga.
[finalmente apaziguada. que bom. que bom que ela me tenha dado tempo para eu trabalhar isso e não me tenha abandonado antes.]
(ca ta deva’sperar mais – nha sperança ta chiga a fim)
sms: “gosto tanto de ti : ) penso que se nota, mas de quando em vez também se deve dizer. beijo : )”
tínhamos acabado de nos separarmos, depois do jantar.
olha, miúda, não te disse, mas estás muito, muito gira. a felicidade faz-te bem.
apanho-me cheia de vontade de resgatar o sentir de família que nunca tive. família alargada. os primos. os filhos dos primos. por onde andei durante estes anos todos? desfilam imagens no meu pensamento e vinte e oito anos em que só me vejo a mim. já vivi muito para fora. tanta gente da qual já não me lembro. tanta falta de noção de sentir o pé assente no chão. da terra. aquela não é a minha terra, não a sinto como tal, mas é o que mais próximo tenho de terra. e a família mais chegada. fico cheia de vontade de ir e estar. porcaria do futebol, mais a minha ideia de regressar! desabafo assim, sem pensar. tudo tem sentido. sinto-me regressar ao chão. melhor, sinto que, finalmente, ao fim de quase cinquenta anos de existência, começo a saber o que é chão. e apetece-me regressar à família.
[Rute, eu aprendo devagar, mas vou conseguir. o único senão da lentidão, é que se torna tudo mais caro, mas antes para aí do que para o prozac.]
[esta podia ser eu, em pequena. de caracóis e igualmente traquina.]
tanto haveria para dizer sobre isso…
[já me ligaram. tão bem dispostos, os dois. cansados, dizem-se. fisicamente, o que é uma coisa boa. (estarei diferente de há um ano?)]
de me apaixonar perdidamente!
hoje fazes 78 anos e eu estarei aqui ao pé de ti. a ver o teu sorriso [que eu herdei], a desfrutar da tua bonomia [que eu não herdei], a ouvir os teus passos arrastando os calcanhares [que eu herdei].
sei que quando chegar, ainda terás a roupa da oficina para onde foste logo de manhã. para onde vais todas as manhãs, mantendo o ritual de estares no meio daquilo que gostas: peças, carros desmanchados, óleo, desperdício e o rádio ao fundo sintonizado na antena 1.
gosto tanto de ti. por seres meu pai, também. mas pelo homem que és. por essa imensa capacidade de, nesta idade, teres essa cabeça tão arejada, tão livre de teias de aranha.
toda a gente te adora. impossível isso não acontecer.
hoje, mais uma vez, vou querer ouvir todas as histórias que contas de cada vez que estamos juntos.
[muitos parabéns, Papá!]
Comentários Recentes