liga-me a minha mãe, sempre com aquela voz toda despachada, e diz-me “hoje estamos de parabéns!”.
olho para o telefone, vejo a data para nunca mais me esquecer, e respondo “é hoje? estão mesmo de parabéns!” e ela a sorrir “já viste? 53 anos a aturarmo-nos?” e ri-se muito.

[depois, mudamos a agulha para as trivialidades. eu desaprendi  a mostrar as emoções. ela sempre foi mais ou menos assim.]

um dia, quando for mais velha, gostaria de ter um amor assim. companheiro e acompanhado.
(talvez se o desejar para muito tarde, tenha esse beneplácito dos deuses. encaro esta fase como uma espécie de aprendizagem. já tive tudo, já experimentei tudo, muitas vezes de forma inconsciente, não valorizando devidamente o que estava em causa. talvez agora tenha de passar por esta fase de vazio, de solidão. para perceber ao certo o que é ou não importante, quando desejamos que alguém faça parte da nossa vida. o difícil nisto é que nunca se sabe como termina. mas eu sou optimista e aceito o que me acontece. portanto, talvez agora seja mesmo altura para experimentar o que nunca tinha experimentado: a solidão.)

faz hoje 53 anos que os meus pais se juntaram. em pleno início da guerra colonial, numa Luanda distante, longe de ambas as famílias. acredito que deve ter sido assim uma espécie de coup de foudre. o sorriso do Zeca deve ter esmagado o pragmatismo da São. têm uma história de amor muito bonita, cheia de peripécias e contratempos – que eles ignoraram de forma corajosa e assumiram o seu caminho.
tenho um bocadinho de cada um dentro de mim. e do Zeca o sorriso e as rugas nos olhos.