ontem passei por um carro funerário em plena cril. ao longe só me apercebi que deveria ser um cortejo fúnebre, porque levava à frente um carro com os quatro piscas ligados e a marcha não era muito acelerada. nas duas faixas à esquerda, eu incluída, passavam outros carros em maior velocidade, provavelmente nem se dando conta pelo que passavam.
num instante recuei trinta e tal anos e fui parar à terrinha. e ao tempo em que os funerais se faziam na carreta. era assim que se chamava o transporte dos caixões. e os acompanhantes seguiam todos a pé, desde a casa onde a pessoa tinha morrido até ao cemitério, em cortejo. às vezes atravessava-se a vila toda naquele passo. 
e porque é que me lembrei disto? porque não raramente e dependendo do movimento que tinha a povoação, atrás do cortejo fúnebre seguiam uma fila imensa de carros. uns que iam a acompanhar o morto, mas muitos que andavam tão somente na sua vidinha. mas havia aquela regra implícita que não era de bom tom ultrapassar um cortejo fúnebre. ninguém o fazia. respeitava-se o momento, a dor, a homenagem, e toda a pressa que se pudesse ter, era relegada para o lado. acho que era um coisa muito bonita de se fazer. e acredito que era um bom momento de reflexão, forçado é facto, mas ainda assim talvez tenha sido aproveitado para se pensar que de nada valia andar em corridas desenfreadas, porque aquele seria o destino de todos nós.
claro que falo de outros tempos. não tão distantes quanto isso, mas os últimos vinte anos vieram dar uma nova medida ao tempo. como se ele, embora tendo a mesma escala, passe de facto de forma mais rápida. e estamos todos tão ciosos das nossas liberdades e dos nossos direitos, que chegaria a parecer ridículo travar-se o passo por causa da dor que ainda para mais é alheia.
eu, de todos os modos, ainda não consigo meter-me no meio de um cortejo fúnebre. já apanhei vários na segunda circular e, ou ultrapasso todos os carros, ou então aguento-me atrás deles.