tenho imensa dificuldade [não digo incapacidade porque não me permito ser incapaz para o que quer que seja] em fazer coisas ou cumprir papéis que não me fazem sentido. quando de todo não consigo fugir, sinto-me oprimida e reajo com falta de naturalidade, como se tivesse uma corda a prender-me os movimentos e a fala.
há pouco perguntaram-me se ía ao velório de um colega que morreu ontem. eu respondi que não. que lamentava imenso por ele, mas que na verdade a mim não me afectava minimamente ele ter morrido. e isto soou um bocado frio e estranho, notei-o na reacção de quem falava comigo. [à incapacidade de fazer coisas que não me fazem sentido, junta-se esta de não saber adornar as frases com palavras rendilhadas e que possam amenizar a frieza da coisa]
mas que mais posso eu dizer ou fazer? o meu contacto com ele era esporádico, e algumas vezes irritava-me a sua forma de falar, num tom sempre muito alto e um bocado histriónico. o facto dele ter ficado gravemente doente não alterou essa parte. seria bem hipócrita da minha parte, para não dizer outra coisa, se tivesse alterado a minha forma de pensar. (a pena é uma coisa que me repugna.) e não preciso, para acalmar os meus fantasmas e estar bem comigo, de repente começar a mostrar simpatia por alguém, só porque adoece gravemente.
e aqui e ali, ao longo destes tempos, fui constatando isso. a simpatia, de quem está bem, pelo pobre coitado… cheguei a ouvir diagnósticos que os médicos tinham feito e “que ele ainda nem sabia sequer!”. [o desgraçado que disse isso, levou-me cá uma descasca que até andou de lado!]
puta de mania de dissecar até ao tutano as desgraças dos outros! é incrível como a desgraça mexe com as pessoas. como há sempre alguém que se predisponha a informar tudo tim por tim, com ar pungido e sentindo-se muito importante por isso! é tão bom poder demonstrar piedade pela tragédia dos outros… sempre acalmamos a nossa, não é?
pobres de espírito! como se algum de nós estivesse acima de alguém…