tenho imensa dificuldade [não digo incapacidade porque não me permito ser incapaz para o que quer que seja] em fazer coisas ou cumprir papéis que não me fazem sentido. quando de todo não consigo fugir, sinto-me oprimida e reajo com falta de naturalidade, como se tivesse uma corda a prender-me os movimentos e a fala.
há pouco perguntaram-me se ía ao velório de um colega que morreu ontem. eu respondi que não. que lamentava imenso por ele, mas que na verdade a mim não me afectava minimamente ele ter morrido. e isto soou um bocado frio e estranho, notei-o na reacção de quem falava comigo. [à incapacidade de fazer coisas que não me fazem sentido, junta-se esta de não saber adornar as frases com palavras rendilhadas e que possam amenizar a frieza da coisa]
mas que mais posso eu dizer ou fazer? o meu contacto com ele era esporádico, e algumas vezes irritava-me a sua forma de falar, num tom sempre muito alto e um bocado histriónico. o facto dele ter ficado gravemente doente não alterou essa parte. seria bem hipócrita da minha parte, para não dizer outra coisa, se tivesse alterado a minha forma de pensar. (a pena é uma coisa que me repugna.) e não preciso, para acalmar os meus fantasmas e estar bem comigo, de repente começar a mostrar simpatia por alguém, só porque adoece gravemente.
e aqui e ali, ao longo destes tempos, fui constatando isso. a simpatia, de quem está bem, pelo pobre coitado… cheguei a ouvir diagnósticos que os médicos tinham feito e “que ele ainda nem sabia sequer!”. [o desgraçado que disse isso, levou-me cá uma descasca que até andou de lado!]
puta de mania de dissecar até ao tutano as desgraças dos outros! é incrível como a desgraça mexe com as pessoas. como há sempre alguém que se predisponha a informar tudo tim por tim, com ar pungido e sentindo-se muito importante por isso! é tão bom poder demonstrar piedade pela tragédia dos outros… sempre acalmamos a nossa, não é?
pobres de espírito! como se algum de nós estivesse acima de alguém…

6 comentários
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Quarta-feira, 9 Abril, 2008 às 17:23
NakedSelf
ora nem mai!
Quarta-feira, 9 Abril, 2008 às 18:47
anabela
Isso.
Quarta-feira, 9 Abril, 2008 às 19:53
Matilde
Ainda há tempo, a propósito de uma situação concreta de um rapaz que entrou de muletas num espaço público em que me encontrava, me perguntei a mim própria – e me apeteceu até perguntar ao rapaz – o que custaria mais: lidar com a situação pessoal ou lidar com as reacções de “pena” dos outros…
Quarta-feira, 9 Abril, 2008 às 21:55
pedro
Como costumo dizer, quem tem pena é galinha.
E de facto é fantástico as pessoas passarem de bestas a bestiais, só porque morrem. Que é o contrário do que lhes acontece quando são vivas: passam ldepressa de bestiais a bestas.
Quinta-feira, 10 Abril, 2008 às 13:40
loveboat
ó menina aNa, que alívio….!!! Ainda bem que não sou a única!!!
Segunda-feira, 14 Abril, 2008 às 13:42
Poppie
Como te entendo e como recentemente tive vontade de esganar uma série de pessoas em pleno cemitério por causa dessa especie de solidariedade na dor…